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Reflexões sobre o Colapso Ambiental e os Povos Originários

O texto reflete sobre a crise climática atual, destacando o desmatamento, a exploração ambiental e a resistência dos povos originários. A arte é apresentada como uma ferramenta essencial para conscientizar e provocar mudanças necessárias na preservação do meio ambiente e das culturas que o protegem.

Autor: Pâmela Peixoto

25/02/2025 ás 20:03

Zumbi dos Palmare e Dandara Curandeira

Era uma noite fria e escura no Kilombo dos Palmares. Zumbi, como de costume, deitava-se no chão de terra, o peito apertado e os pensamentos pesados. A sensação do solo fresco contra sua pele parecia lhe oferecer um tipo de consolo que as palavras não podiam. Às vezes, ele se perguntava por que, mesmo com a luta constante e as ameaças dos invasores, ainda insistia em passar as noites ali, sozinho.

O frio o atingia, cortante, mas ele não se importava. O que importava era o silêncio da noite e os barulhos naturais ao seu redor. O vento balançava as folhas das árvores, enquanto os grilos e sapos cantavam em coro. Ele conhecia cada som da floresta, cada suspiro do vento. Isso o tranquilizava. Zumbi estava em sintonia com aquela terra. Ela, apesar de ter sido forçada a recebê-lo, parecia compreender seu espírito cansado.

O vento batia contra seu rosto, e, por um momento, ele sentiu uma sensação de alívio, como se estivesse voltando para casa, como se a terra o acolhesse como filho. Mas o alívio era fugaz. Ele sentia o peso da responsabilidade em seus ombros e a angústia de saber que sua luta pela liberdade nunca teria fim. O passado de Palmares ainda o assombrava. Lembrava-se de sua aldeia natal, de como o céu se abria diante dele, e o vento carregava o cheiro da liberdade. Aquele momento de pureza tinha sido esmagado pelas correntes da escravidão, e seu coração ainda pulsava com a raiva da perda.

Em sua mente, uma lembrança se formava: ele ainda podia ouvir o grito de sua mãe, a dor de vê-la sendo arrastada. O poder das lembranças o dilacerava por dentro, mas ele sabia que não podia se render a elas. A luta era diária. E ele estava ali para isso, para manter vivo o sonho da liberdade.

Enquanto isso, em uma clareira próxima, Dandara se ajoelhava ao lado de uma bacia com água do rio. Sua blusa estava desgastada, as roupas rasgadas pelo tempo e pelas batalhas, mas isso não a incomodava. Havia algo de ritualista e sereno em seus gestos. Ela esfregava as roupas com uma pedra, sua mão firme e decidida. Às vezes, as lágrimas caíam sem que ela percebesse. Sua barriga roncava de fome, mas o cansaço parecia tomar conta de tudo, e ela se entregava ao trabalho, como se a repetição do movimento a confortasse, a tirasse do tormento da realidade.

Dandara não sabia se cantava para afastar a dor ou para dar ritmo àquelas horas solitárias. Seus vissungos eram uma mistura de tristeza e resistência, lamentos que falavam de sofrimento, de um tempo distante em que a liberdade era apenas um sonho.

Vissungos de trabalho, vissungos de fome, vissungos de tristeza, vissungos de memórias. Vissungos de talvez despedidas.

Dandara lembrava-se de sua terra, de quando era jovem e vivia nas florestas, com as mãos cheias de folhas e raízes. Antes de ser arrancada de sua aldeia, ela era curandeira. Suas mãos sabiam como acalmar os corpos e as almas. Era como se ela pudesse ouvir as necessidades de cada ser vivo, como se os ventos sussurrassem segredos do mundo natural para ela. Mas agora, no quilombo, ela não era mais apenas curandeira. Era guerreira, era mãe, era filha da terra que a cercava. E, apesar de tudo, ela ainda cantava, porque as canções lhe davam força, mesmo quando o corpo parecia não aguentar mais.

Dandara suspirou, e seus olhos se fecharam por um momento. O som distante de Palmares, deitado na terra, chegou até ela, e algo dentro de seu peito se apertou. Ele sempre ficava assim, sozinho. Sempre tão distante. Ela sabia que ele carregava os mesmos fantasmas do passado, e que suas lutas eram solitárias, mesmo em meio ao quilombo.

De repente, o som do vento se alterou, e uma sensação de perigo tomou conta do ar. Palmares, quase pegando no sono, levantou-se rapidamente. Seus sentidos, aguçados pela sobrevivência, alertaram-no de que algo estava errado. Ele ouviu os passos furtivos. E os invasores estavam mais perto do que imaginava.

Com um movimento rápido, ele tirou um pequeno canivete do cinto e se posicionou em meio à vegetação. Sabia que não teria tempo para mais nada, que a luta seria uma questão de vida ou morte. Ele se movia com a agilidade de um felino, o corpo preparado para a ação. O som das lâminas cortando o ar e os passos pesados dos inimigos preencheram o espaço.

Quando ele finalmente viu os invasores, a luta já havia começado. Três homens, armados e sem escrúpulos. Palmares era rápido e feroz, um mestre da capoeira, e com um movimento ágil, ele derrubou um dos inimigos. O outro partiu para cima, mas foi recebido com uma rasteira que o fez cair no chão, sem força para se levantar. O terceiro estava atônito, sem saber o que fazer. Em meio à luta, Dandara apareceu, seus olhos brilhando com uma chama inconfundível. Ela se lançou sobre o último inimigo, e a batalha se intensificou. Ela era uma mestra da capoeira, uma guerreira de alma forte, e logo o invasor caiu, derrotado.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Palmares e Dandara estavam ofegantes, seus corpos marcados pelas cicatrizes da luta. Mas a vitória era sua. Com um gesto de respeito, Palmares olhou para Dandara, e, por um momento, seus olhos se encontraram. Eles não precisavam de palavras. Eles compreendiam um ao outro como ninguém mais poderia compreender.

Diz a lenda que, sempre que havia uma invasão no Quilombo dos Palmares, os invasores derrotados eram enterrados na terra, e seus espíritos nunca podiam descansar. Aqueles que conseguiam fugir, carregavam as almas dos mortos dentro de si, amaldiçoados. Dizia-se que esses invasores se tornavam como zumbis, vagando sem propósito, torturados pelos fantasmas do quilombo.

E assim, a resistência continuava, com Palmares e Dandara, unidos na luta pela liberdade, pela terra e pela memória de todos os que haviam sido arrancados de suas raízes.

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